Filosofo, logo penso e consequentemente existo

Percebo que recentemente tenho escrito coisas sérias por aqui, como se de nenhum jeito eu soubesse fazer comédia (porque eu não sei, mesmo). Mas às vezes me pergunto se, afantásica como sou, as imagens que eu crio na minha cabeça fazem algum sentido. Talvez sim, e talvez não. Não sei. Será que fazem?

Embarquem, então, nessa viagem comigo, enquanto eu estou sentada na minha cadeira confortável (mas nem tanto), bebendo um vinho barato de esquina que algumas pessoas diriam que sequer é vinho se eu revelasse o nome. De qualquer modo, fiquem tão confortáveis quanto eu, na medida do possível. Feche os olhos, respire.

Como você se vê no futuro? Porque, como eu não consigo ver nada, eu simplesmente não me vejo. Mas eu me imagino, usando ferramentas que não são ver. Eu tenho uma delimitação enorme do que eu quero e do que eu não quero fazer, eu consigo pensar em um milhão de coisas que me fariam felizes e mais dez mil coisas que eu quero evitar. Mas eu não vejo absolutamente nada. Se eu suspirar e fechar os olhos trinta milhões de vezes ainda assim nenhuma imagem vem. Quando eu era criança costumava dizer que eu via a galáxia quando fechava os olhos. O preto com alguns flashes de luz coloridos, dependendo da luz ambiente. E eu achava que todo mundo era assim.

Foi terrível perceber que nem todo mundo é cego de visualização. Não lembro quando foi que isso aconteceu pela primeira vez, mas suponho que tenha sido em alguma aula de teatro. Nós tínhamos muitos exercícios de relaxamento que consistiam em fechar os olhos, imaginar uma cor, imaginar um lugar, imaginar uma tela, imaginar…

E eu jamais vi coisa alguma. Eu achava que as pessoas inventavam quando diziam que viam cenários que liam em livros. Que recordavam algo que elas tinham visto antes. Nunca que elas conseguissem ver, de fato, imagens em suas cabeças. A realização de que isso, de fato, ocorria, foi horrível. E descobri que isso tinha nome, e não tinha cura. Afantasia.

E então era isso. Eu era diferente. Eu não via a galáxia; eu simplesmente não via. Toda a minha dificuldade com descrição, toda a minha maneira de lidar com quando as pessoas falavam “feche os olhos e imagine…”, tudo isso era uma deficiência. Parece difícil lidar com uma deficiência. E é. Recentemente uma professora pediu que nos levantássemos e imaginássemos determinada coisa. E eu fechei os olhos e fiquei ali, fingindo que conseguia ver o que todos estavam vendo. Deu vontade de chorar, porque a sensação de estar de fora de algo ainda é muito forte. Mas, será que ser igual é bom? E, no fim, um céu negro estrelado de pontos de luz não é uma visualização tão linda e rica quanto uma galáxia ou uma maçã avermelhada em cima de uma mesa de madeira escura?

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