O curioso caso de Adrienne – ou também, como fazer inimigos na faculdade

Se pudessemos resumir essa história em uma palavra, poderíamos resumí-la em “mentiras” e “autora se revoltando”, mas como isso é uma narrativa, caro leitor, eu irei descrevê-la com os detalhes que os nove anos que já se passaram me permitem. Perceba, não é minha intenção, em momento algum, ser uma hater da Srta. Adrienne, aqui, porém, permitam-me dizer que eu nunca fui com a cara dela desde o comecinho. Ok, ok, eu tentei ser amiga da srta mencionada, ela tinha alguns gostos em comum comigo, musicais praticamente. Mas era o tipo de pessoa que incomodava incrivelmente a minha pessoa por ter aquela personalidade de gente arrogante só porque tem dinheiro – e se você não sabe do que eu estou falando, é porque ou nunca conheceu alguém assim, ou porque você é a pessoa rica.

Passado esse pequeno momento introdutório, vamos aos fatos. Pegamos uma disciplina em grupo na faculdade. Eu Adrienne, e mais uns 3 ou 4 amigos. A ideia é que nos ajudássemos, já que a disciplina consistia de pequenos trabalhos de tradução em grupo, e todas as notas também eram dadas em grupo. No primeiro dia de aula, formamos nosso grupo, e, mesmo não tendo nenhum CDF no grupo (não para aquela matéria, ao menos), acreditávamos que iríamos nos sair bem, afinal, a união faz a força e não somente açúcar! (Desculpe a quem não riu, esse é meu nível de humor, mesmo). Como sempre, o primeiro dia era para que todos se conhecessem melhor, mas como boa parte do grupo já se conhecia graças a uma outra amiga em comum, só fizemos nos juntar para conversar de anime, mangá e música – basicamente cultura asiática, porque era o que todos tinham em comum no grupo. Como todos estavam presentes e não tinha acontecido nada demais, decidimos que aquele seria nosso grupo fixo, afinal, o que poderia acontecer, não é mesmo?

Pois bem, essa pergunta eu respondo logo na semana que veio após esta (as aulas desta disciplina eram semanais). Adrienne chegou um pouco atrasada, pois, segundo ela, precisou resolver um problema seríssimo na família. Tudo bem, imprevistos ocorrem, deixamos passar. Na outra semana, ela, sorrindo, nos contou que havia ganhado um carro (!!!!!!) por passar no vestibular (Só de comparação: Eu ganhei um “não fez mais que a sua obrigação”). Demos os parabéns, e vida que segue, com exceção que ela só sabia falar deste bendito carro. E aí começam de fato os casos mais curiosos dessa história.

Na terceira semana, Adrienne chegou faltando quinze minutos para a aula terminar. A desculpa? “Gente, eu bati meu carro num poste!”

Quarta semana: “Gente, eu bati numa árvore!”

(E eu pensando: Essa menina não tirou carteira de motorista, não? Porque Deus, como é possível toda vez que ela sai de carro ela bater em algo?)

Quinta semana: “Gente, eu fiquei presa num engarrafamento terrível!” (De todos nós, ela era a que morava mais perto da faculdade E ainda tinha carro. Todo mundo chegava no horário, menos ela)

E assim se seguiu pelo semestre quase inteiro. Toda semana, uma nova desculpa. Inclusive, “dei PT no carro, meus pais vão me matar” (somente para na semana seguinte contar que os pais deram um carro novo para a srta citada, SIM, MEUS CAROS, UM CARRO NOVINHO!!!), e coisas do tipo. E como sempre, ela chegava no fim da aula, e ajudava o grupo a traduzir vários nadas, porque geralmente quando ela chegava, toda a atividade já estava pronta e entregue para a professora.

Até o dia que a alma que vos escreve, resolveu dar um ponto final nisso. Veja bem, posso não ser a maior conhecedora ou credora de signos, mas uma hora uma leonina com ascendente em áries cansa de ser feita de idiota e toma a liderança da bagunça. É absolutamente importante lembrar que eu perco a paciência com a mesma facilidade que aquele mata-baratas da propaganda da TV (não vou fazer merchan de graça, né, queridos) tonteia as baratas depois de você soltar um jato bem em cima de uma. Então, se você me perguntar como eu tive tanta paciência com a Adrienne… bem, nem me pergunte, porque eu também não sei. Acho que foi pra evitar treta com minha outra amiga que era amiga dela. Mas chegou um momento que simplesmente… não deu mais.

Primeiro porque a menina me irritava em todos os gêneros, números e graus possíveis, segundo que ela não estava ajudando em nada, e na maioria das vezes quem estava DE FATO fazendo o trabalho era… EU. Como eu disse, ninguém era CDF na matéria, mas no fim das contas, se alguém do grupo sabia um pouco mais, esse alguém era eu. Não porque eu sabia a língua em questão (que eu não vou revelar aqui qual é por razões de segurança), mas porque eu tinha experiência em tradução, e sabia o que fazer. Coisa que os outros do grupo não tinham ainda. (Eu espero que eles tenham adquirido até o momento de sua formatura)

Então, eu chamei o amor de pessoa que era nossa professora. E digo o amor de pessoa, porque ela era inocente que nem uma criança. As pessoas passavam a perna nela com tanta facilidade que chegava a dar dó. Eu não estou exagerando, para uma senhora de idade, ela parecia não conhecer a maldade do mundo. Metade da sala ria da cara dela quando ela pegava a lista de presença e fazia chamada, porque inventavam nomes que não existiam para ela chamar, colocavam famosos mortos, enfim… Faziam tanta graça com a coitada, que às vezes eu me perguntava porque as pessoas eram tão más. Chamei a professora e expliquei a situação. Adrienne tinha o nome no nosso grupo, mas não estava fazendo as atividades, porque ela sempre chegava faltando dez ou quinze minutos para a aula acabar, e só fazia assinar a lista de frequencia. Não era justo que ela fizesse prova com a gente.

Pois bem, a professora chamou a dita cuja para conversar, e então ela veio para cima de mim, com toda raiva do mundo, dizendo que eu estava sendo injusta com ela, porque ela tinha largado a faculdade de medicina dela para correr atrás do sonho de se formar em Letras e EU estava destruíndo este sonho, deixando ele em pedaços, com a minha falta de compreensão dos problemas que ela tinha para chegar na faculdade. Chegou ao ponto de dizer que eu tinha inveja do fato dela já ter viajado para um certo país asiático, já ter conhecido pessoas influentes e ter um carro, e eu estava fazendo tudo aquilo para ela perder nesta disciplina porque eu não suportava o fato de que ela era melhor que eu em tudo.

Eu não sabia se ria, ou chorava. No final das contas, acabei soltando uma longa gargalhada. Imagine se pode, eu com inveja de uma pessoa que mal conseguia chegar na aula no horário certo, sendo que eu sempre fui a pessoa mais pontual do universo. Eu, com inveja dela ter viajado, sendo que eu sempre prezei por conseguir as coisas com meu próprio dinheiro e esforço (e não com o dinheiro de papai e mamãe), e principalmente, imagine se eu iria fazer alguém PERDER NUMA DISCIPLINA POR PURA INVEJA. Faz-me rir, certamente. Enfim, Adrienne ainda teve a cara de pau de dizer para a professora que eu quem não fazia nada – só que é claro, a desculpa não colou – afinal, eu sempre chegava cedo, estava sempre na sala de aula, estava sempre com meu livro da disciplina, e sempre fazia todos os exercícios, fosse de classe ou de casa. No fim das contas, conseguimos que a prova da disciplina fosse feita de maneira separada (apesar de que a sala não deve ter ficado muito feliz com isso, já que aí todo mundo precisou fazer individual, mas veja bem, a culpa não foi minha, não fui eu que tentei me beneficiar de um sistema para passar sem fazer esforço!)

O resultado?

Bem, eu deixo vocês adivinharem. Não deve ser muito difícil com todas as dicas que eu já dei aí em cima. Ou vocês ainda acham que é? Para não estragar qualquer possível surpresa de algum curioso que não vá ler esse post todo, resolvi colocar o resultado no “Leia Mais”, afinal, por mais óbvio que seja, a gente tem que terminar a história não é, meus caros?

No dia da prova, a sala toda apareceu. Finalmente vimos Adrienne chegar no horário, afinal, só tinhamos duas horas pra fazer a prova e a professora certamente não acreditaria em qualquer desculpa dela para fazer a prova depois – para isso era necessário atestado, conforme o regimento escolar da universidade. E lei é lei, né, meus caros? – Eu consegui uma nota excelente. Já Adrienne, depois desta disciplina, nunca mais a vi na faculdade inteira. Acredito que tenha voltado para sua faculdade de medicina, ou tenha desistido, ou sabe-se lá Deus o que ela fez. Hoje, sou licenciada e bacharel em Letras. Já Adrienne, não faço ideia que fim levou.

A moral dessa história é simples: Não tente levar vantagem dos outros, amiguinho. É feio e só vai te colocar em fria. Prefira ser sempre verdadeira. Por exemplo, se você não consegue acordar cedo para a aula pela manhã, tente pegar a mesma aula a tarde. Se não for possível, CONVERSE com seus colegas, explique as razões pelas quais você chega atrasada. Às vezes, você realmente pode ter um bom motivo, mas as pessoas não saberão até que você seja honesta com elas. E por favor, jamais, mas jamais se gabe por ter podido fazer uma faculdade particular, uma faculdade que você considere mais “digna” do que a do coleguinha ou porque você teve condições financeiras para fazer algo que o coleguinha não fez. Especialmente quando você tem a pele branca, alva como a neve e o seu coleguinha não é tão branco quanto você. E veja que eu nem estou dizendo que seu colega precisa ser negro, às vezes ele só é mestiço de índios ou qualquer coisa do tipo. Mas você certamente está o vendo como inferior. E é por isso que você faz isso. Não faça. É feio e racista. Não seja racista.

 

 

 

 

Essa história é parte do desafio do Nanowrimo 2020, e está sob a tag “Aconteceu Comigo”. Os fatos são reais, mas algumas informações foram modificadas para segurança dos envolvidos.
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