É estranho começar um post usando uma frase do antigo grupo da Katharine Blake, o Miranda Sex Garden. Estranho porque a grande maioria das letras do MSG tem esse tom melódico-depressivo, e estranho também porque não tenho o hábito de dar títulos em inglês aos meus posts – Afinal, acessibilidade é tudo e eu estou escrevendo em português, não é mesmo? – Mas hoje é um dia especial. Hoje, vamos refletir um pouco. Vou trabalhar na reflexão baseada em coisas que aconteceram comigo. Talvez mencione uma ou duas, bem de leve. Mas, já vou soltando uma bomba: a liberdade é uma ilusão.
Mas meu Deus, Ayumi, do que você está falando? Estou falando que existe todo um mito de que em algum momento de nossas vidas, seremos livres. Quando somos crianças, acreditamos que ao completar a maioridade, seremos livres. Quando chegamos nesta maioridade, pensamos que quando tivermos dinheiro suficiente para sair de casa e vivermos por nós mesmos, seremos livres. Quando saímos de casa, pensamos que seremos livres quando juntarmos o suficiente para não mais trabalharmos. Quando não mais trabalhamos, pensamos que seremos livres, mas aí, já estamos cansados, fragilizados, talvez com netos, talvez em necessidade de outras coisas… É um ciclo sem fim. O ciclo de que, em algum momento de sua vida, o ser humano será livre para fazer o que quiser, sem que haja algum impedimento. Sempre faltará algo para a felicidade plena enquanto estivermos nesse mundo. Tudo o que você possa buscar, pode ser retirado de você. Tudo o que você pode fazer hoje, talvez não possa ser repetido amanhã. Se a vida é uma roda que gira e nunca para, por que acreditamos que ela pararia somente para que pudéssemos fazer o que queremos?
A realidade é que a liberdade é uma ilusão criada para que você continue preso, acreditando que dias melhores virão. Espere, eu não estou dizendo que dias melhores não virão. Não é isso. É só que, não importa o quão bom o dia seja, nós sempre esperamos que amanhã seja melhor. Para quem conheceu o Nemuritai alguns dias atrás, sabia que o subtítulo dele era “Ashita, tenki ni naare!” (Amanhã será um dia bom). Por que eu troquei? Porque infelizmente precisamos lidar com o realismo. Você nunca será totalmente livre, porque sempre haverá alguém que te olhará de maneira torta e te julgará pela roupa que você veste, pelo jeito que anda, pela maquiagem que usa (ou deixa de usar). E por mais que você seja desconstruído, em algum momento, em algum dia, basta um momento de fraqueza para que aquilo te atinja e você se pergunte “Será que eu devo agir mesmo dessa maneira, ou vestir realmente esta roupa, ou usar realmente este estilo de maquiagem?”. Você nunca vai agir totalmente independente das outras pessoas, porque de algum modo, o fato de vivermos em comunidade nos barra de agir feito loucos – estamos sempre conscientes do que o outro, de algum modo, pensa ou fala de nós. E quando não estamos conscientes, queremos estar.
Sempre estamos subservientes à alguém. Você não é livre, porque você precisa trabalhar para manter o seu sustento. Você não pode acordar um dia e decidir ficar em casa. Você também não pode ir para o trabalho vestido da maneira que você quiser. Adultos não são mais livres que crianças em nada. Ah, quer um exemplo? Você, adulto, não pode ser visto brincando com brinquedos infantis (a menos que seja pai/mãe de uma criança pequena), porque senão… PRE-PA-RA pro julgamento. A vida é assim, é um intenso quebra-cabeça para construir, mas ai de você se for pego construindo um quebra-cabeça da Barbie aos 35 anos. Por isso hoje, as empresas relançam versões “adultas” de brinquedos nostálgicos. É livro de colorir anti-estresse (por que não pode ser só livro de colorir? Porque livro de colorir é infantil!), é adulto fazendo receita de slime… Por que não podemos só ser livres e fazermos o que quisermos sem nos preocuparmos com a idade? Afinal, aquele seu hobby de colorir, de escrever, de ouvir música… ele não vai sumir só porque você cresceu. No máximo, ele vai se transformar. Mas não é normal alguém ouvir que uma garota de quase 30 anos, por exemplo, é uma Nintendista ferrenha, muito fã da série Harvest Moon/Story of Seasons e que gastaria dinheiro com isso. Mas ué, uma garota de 30 anos não é livre? Um garoto não poderia ter uma coleção de carros ou de brinquedos, ou do que seja? Mas a verdade é que a sociedade não permite essa liberdade nunca. Você sempre será julgado por alguém. Mesmo que o julgamento seja porque você gosta de um time específico de futebol, ou porque você gosta de determinada série ou de um gênero de filmes ou o que quer que seja. Então, por mais que pareça ser algo exclusivo de fandoms, a verdade é que sempre haverá alguém a quem você deverá prestar contas. Seja na sua igreja, seja no seu trabalho, seja na sua casa, seja com seus pais, com seus amigos, com seu parceiro, com quem quer que seja. Nós não nos permitimos ser completamente livres devido à essa subserviência. E essa subserviência continua por boa parte de nossa vida, talvez por toda ela. Somos subservientes ao nosso governo, à nossa Constituição, às nossas leis, inclusive à nossa própria moral. Enquanto, claramente, algumas dessas subserviências nos servem para poder viver em comunidade sem que haja deturpação da chamada ordem pública, algumas delas só existem para nos frearmos e nos impedirmos. E isso é algo estrutural. Precisamos disso, ou toda nossa sociedade se bagunça.
O trem da nossa vida passa em diversas estações. E, em cada uma delas, há um funcionário preparado para lhe dizer algo baseado em sua aparência, seu modo de vestir, de agir, de ser. Isso acontece, quer você queira, quer você não queira. Não há um modo de parar isso, não há um modo de frear, ou barrar os funcionários da estação de entrarem no trem. Ou de que o trem pare e pegue outros passageiros, iguais a você. Você até pode pensar que está livre para fazer o que quiser, mas, tente estender sua corrente paramuito além do que ela te permite ir. E aí, *quando você se deu conta de que nunca será livre?